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SPDA para Elevadas Descargas Atmosféricas

postes de energia

As descargas atmosféricas são fenômenos externos aos sistemas elétricos de potência. De alta intensidade e com potencial de causar danos enormes aos sistemas elétricos, requerem atenção especial no projeto de execução dos Sistemas de Proteção de Descargas Atmosféricas (SPDA). Uma das partes mais críticas e vulneráveis de um sistema elétrico de potência são as Linhas Aéreas de Transmissão as quais requerem atenção especial no projeto e execução do SPDA. Apesar da disciplina de Coordenação de Isolamentos nos cursos de formação na Engenharia Elétrica dedicar um capítulo especial à proteção dos sistemas elétricos de potência, iremos abordar neste artigo, um tema complementar que não é abordado nas aulas teóricas: Os aspectos do desempenho dos materiais usados nos projetos de SPDA em Linhas de Transmissão de Energia.

Um SPDA tem a dimensão física estabelecida pelas dimensões do dispositivo que deve ser protegido contra as descargas diretas. Profissionais que trabalham com sistemas de proteção provavelmente já trabalharam em algum momento com: Modelo Franklin, Modelo Faraday e/ou Modelo eletro geométrico [01]. O primeiro e o segundo tem amplas aplicações em localizações físicas volumétricas, tais como edificações comerciais e industriais. Em uma linha aérea de transmissão de energia, o volume a ser protegido está no domínio dos condutores de fase e sobre toda extensão da linha. Isso tem levado os engenheiros eletricistas a apreciarem mais o modelo eletro geométrico. Os Sistemas de Proteção contra Descargas Atmosféricas para linhas de transmissão de energia são muito importantes e seus elementos principais são os condutores elétricos instalados sobre os condutores de fase, os quais atuam como um captor preferencial para as descargas atmosféricas. Devem ser mecanicamente robustos e ter bom desempenho na condução de energia elétrica para lidar com a energia proveniente do raio. A missão desses condutores é de servir de elemento de “atração” de descargas atmosféricas que estiverem dirigindo-se aos condutores de fases e, assim, em conjunto com o sistema de aterramento, evitar o desligamento das linhas.


Figura 01: Descarga entre duas torres de transmissão

Descargas Atmosféricas: Teoria Geral

O raio e a sua energia

A energia disponível durante uma descarga atmosférica pode estar na ordem de 5 Giga Joules, o que seria equivalente a 145 litros de petróleo, o suficiente para suprir de energia uma família por um mês. A energia de uma tempestade é igual à de uma bomba atômica. Se o raio não acontecesse num tempo muito curto, provavelmente alguém já teria conseguido de alguma forma de armazenar essa energia. A carga elétrica de um elétron é:

E essa carga equivaleria o mesmo valor em Joules quando atravessa uma barreira de potencial de 1 Volt. Vamos lembrar que por definição a corrente elétrica de 1 Ampére é:

O resíduo de potencial de uma descarga elétrica pode ser suficiente para romper a maioria dos “gaps” capacitivos dos equipamentos elétricos, especialmente os “gaps” de baixa tensão. Ainda, uma corrente de alguns micros amperes, num tempo suficientemente longo, seria suficiente para provocar fibrilação no músculo cardíaco e o indivíduo morrer por parada cardíaca. No entanto, tudo isso deixa de ter relevância se o material que recebe o raio não for capaz de levar toda esta energia para terra. Assim, voltamos ao tema que os sistemas de aterramento protegem: materiais, equipamentos e pessoas, nessa ordem. Este trabalho abordará apenas a proteção dos materiais frente a energia de um raio.

O raio: potencial de corrente

O potencial de um raio depende da quantidade de elétrons disponíveis antes de uma descarga e a corrente decorrente de um raio vai depender de suas condições de contorno. Os pesquisadores têm medido a intensidade de corrente e energia dos raios, derivando daí a quantidade probabilística de cargas (elétrons) que estaria disponível no momento da descarga.

Figura 02: Corrente de Carga e energia de um raio.

Cabe aos engenheiros elétricos projetar as instalações elétricas e sua proteção contra descargas atmosféricas. A Norma IEC 61000-4-5 2014 [02] faz algumas recomendações:

Com relação à corrente elétrica:

– Uma descarga elétrica direta (em corrente) possui uma forma conforme mostrado na Figura 3 a seguir, onde podemos observar um tempo de crista de 10 µs e um tempo médio de descida de 350 µs para ondas de corrente.

Figura 03: Corrente e tempo em descarga direta

– Uma descarga elétrica indireta (em corrente) possui uma forma conforme mostrado na Figura 4 a seguir, onde podemos observar um tempo de crista de 8 µs e um tempo médio de descida de 20 µs para ondas de corrente.

Figura 04: Corrente e tempo em descarga indireta

Com relação à tensão elétrica:

Uma descarga elétrica direta (em voltagem) possui uma forma de onda conforme mostrado na Figura 5 a seguir, onde podemos observar um tempo de crista de 1,2 µs e um tempo médio de descida de 50 µs para ondas de corrente.

Figura 05: Tensão e tempo de descarga direta

Sabe-se, também, que os materiais usados em SPDA, com especial referência àqueles por onde devem circular as correntes provenientes dos raios, devem ser capazes de suportar altas temperaturas sem degradar-se, garantindo a segurança do sistema por toda a vida útil da Linha de Transmissão. Para tanto, é fundamental identificar materiais que não atinjam temperaturas próximas aos seus pontos de fusão (assunto a ser abordado nos próximos artigos).

As estatísticas de descargas

O eletromagnetismo de uma descarga elétrica atmosférica é ainda um argumento em estudo. Físicos e engenheiros eletricistas, contudo, concordam que a descarga atmosférica, com as devidas reservas, pode ser interpretada como uma descarga em gap. Um gap muitíssimo largo, mas um gap. Por isso uma descarga atmosférica não pode ser estudada sem estatística. O modelo físico matemático para estudar a fenomenologia está ainda em estudo, mas muito se pode fazer com o que é observável. A maior parte dos conhecimentos apresentados neste trabalho vem de Rokov e Uman [03] no que concerne os conhecimentos acumulados de observações nos tempos atuais. No que toca a parte da resposta dos materiais, o assunto será discutido em artigos subsequentes. No estudo “Lightning physics and Effects” (VLADIMIR A. RAKOV AND MARTIN A. UMAN – Lightning Physics and Effects – CAMBRIGDE UNIVERSITY PRESS.) a densidade (por km2) de raios é medida diretamente ou estimada pelo índice ceráunico. Este índice é o número de dias de trovoadas audíveis por ano numa determinada região. Quando estimada por índice ceráunico, a densidade de descargas é dada pela fórmula abaixo, ajustada estatisticamente.

O índice ceráunico tem sido mapeado no Brasil e as curvas isoceráunicas aceitas estão mostradas na figura a seguir. Conhecer a densidade de descargas elétricas é essencial para simular o desempenho de uma linha de transmissão, mas precisamos ainda conhecer a transferência de carga (corrente) para cada descarga. Assim, uma simulação de desempenho de uma linha de transmissão frente a descargas atmosféricas, deve conhecer a densidade de descarga e a possível carga contida nelas. A figura a seguir é o mapa isoceráunico do Brasil, onde são apreciáveis regiões com IC superior a 100.

Figura 06: Isoceráumicas no Brasil

As descargas atmosféricas de maior valor de carga (corrente) são aquelas ascendentes (positivas) e dependendo da probabilidade de ocorrência o projeto pode ter correntes da ordem de 1000 kA. Na figura a seguir é apresentada o resultado de uma estatística onde pode observar que os valores mais altos estão nos líderes ascendentes (cerca de 5%).

Figura 07: Carga elétrica e probabilidade

Porém, a questão fundamental para estimação de uma carga é a duração da corrente, e por consequência, deve-se determinar se somente o material deve dissipar esta energia. Todos os dados estatísticos devem ser considerados no desempenho da linha de transmissão e em um projeto de confiabilidade com cálculos de riscos de desligamento, com ou sem perda de material, equipamento e pessoas. Para tanto, podem ser feitos cálculos com auxílio de algum algoritmo simulador. Todavia, sob o ponto de vista do condutor do cabo guarda, interessa apenas uma descarga que seja suficiente para rompê-lo, pois é muito improvável que duas ou mais descargas ocorram no mesmo ponto. No Brasil ocorrem, anualmente, em torno de 80 milhões de raios. Portanto, podemos considerar que algumas destas descargas atingirão o sistema elétrico, em especial, as linhas aéreas de transmissão de energia.

A figura a seguir pode ser muito útil, para a simulação do desempenho de uma linha de transmissão sob descargas atmosféricas, pois nos dá uma indicação definitiva sobre a sazonalidades destes fenômenos. Observamos nesta figura, aumento significativo dos eventos nos meses de outubro a março (representados pela linha vermelha) em comparação com o período de abril a setembro (representado pela linha azul).

Figura 08: Sazonalidade do índice ceráunico

Os materiais do cabo-guarda

Tradicionalmente, os materiais usados na construção de cabos guarda são: Cordoalhas de aço zincado (CAZ), Cabos de aço revestido de alumínio (CAS), ambos mais baratos ou Cabos de alumínio com alma de aço alumínio (CAA/RA) extra forte, utilizados principalmente nas proximidades das subestações elevadoras, quando a corrente de curto circuito assim exigir. Considerando apenas o critério térmico de curto circuito, as cordoalhas CAZ oferecem bom desempenho.

Tabela 01: Fator térmico de cabos CAZ

Para facilitar a apreciação dos resultados, a tabela 1 mostra todas as formações de cordoalha CAZ e seus respectivos fatores térmicos {I²t10⁻⁶} para curto circuito adiabático. Tal fator pode ser usado como parâmetro comparativo entre materiais com relação ao seu desempenho térmico. Quanto maior o fator, maior a corrente admissível para uma mesma temperatura limite. Em destaque, temos a cordoalha 3/8”, por ser a mais usada no Brasil. A partir do ano 2010 foram introduzidos no Brasil os cabos de aço revestido de alumínio (CAS). Estes cabos são, na sua essência, de construção semelhante aos cabos CAZ. No entanto, ao invés da fina camada de zinco, possuem uma camada espessa de alumínio aplicada por extrusão, a qual garante uma resistência à corrosão muito maior. As construções destes cabos são inteiramente semelhantes às construções das cordoalhas galvanizadas CAZ, mas com desempenho muito superior. Vale destacar que o cabo em aço-alumínio CAS 20,3% IACS (International Annealed Copper Standard), com condutividade superior ao cabo de aço zincado CAZ, permitiu importantes inovações nas novas construções dos cabos OPGW (Optical Ground Wire Cable). Pode-se observar na Tabela 2, que os cabos em aço-alumínio CAS 20,3% IACS possuem fator térmico superior aos seus equivalentes em cordoalhas de aço zincado.

Tabela 02: Fator térmico de cabos AS 20,3%IACS

Por fim, os cabos de alumínio com alma de aço alumínio CAA/RA extraforte tem superior desempenho em curto circuito. Os dados da tabela 3 permitem observar que qualquer cabo CAA/RA extra forte, possui fator térmico muito superior ao das cordoalhas de aço zincado.

Tabela 03: Fator térmico de cabos CAA/Ra – Extra forte

Limites térmicos e condutividade

O Brasil tem sua maior área situada entre o equador e o trópico de capricórnio, onde acontece um número elevado de tempestades com raios de grande intensidade.

Figura 09: Índice ceráunico no mundo

Quando os primeiros cabos OPGW foram instalados em meados dos anos 90, todos tinham tecnologia europeia ou norte americana, na qual um núcleo mesclado de aço zincado e tubos com fibras óticas eram revestidos por fios de alumínio. Observou-se que após algum tempo de uso que muitos destes cabos romperam por causa de descargas elétricas direta. Tais rupturas foram consideradas muito graves, pois provocavam curto circuito nas fases e interrompiam a transmissão do sinal óptico [04]. Na ocasião o problema foi formulado, equacionado e resolvido em laboratório, [04] através de uma conveniente experimentação sob a ótica do limite térmico de diversas construções de cabos, e assim criou-se uma escala de desempenho para os diversos produtos. Os seguintes limites foram estabelecidos:

Tabela 04: Classificação coulombiana dos cabos

Notoriamente, o parâmetro mais significativo era a carga elétrica em Coulombs {50,100,150,200}, o qual qualificava as construções de OPGW, correspondendo valores esperados para diversas descargas. Descargas positivas tendem a ser muito mais intensas do que seus pares negativos. Um raio médio negativo carrega uma corrente elétrica de 30.000 Amperes (30 kA) e transfere 15 Coulombs de carga elétrica e 1 Giga Joule de energia. Assim, a formulação empírica foi conveniente para a qualificação das construções. Considerando os limites de corrente em curto de 1 segundo em construções de 7 fios e diâmetro de 3/8”, observamos:

Figura 10: Corrente de curto x condutividade

Há uma correlação linear entre os valores máximos de corrente permitido e a condutividade elétrica IACS do material (simples ou composto). A pequena distorção na região do aço zincado pode ser imputada à menor temperatura de fusão do zinco nas construções em aço zincado. O parâmetro condutividade elétrica IACS é um dos parâmetros mais importantes no quesito “comportamento frente às descargas atmosféricas”. E justamente nesse ponto reside o maior risco em relação ao uso do aço zincado, decorrente da formação de óxido de zinco em sua superfície ao longo do tempo. Tal comportamento traz, em fenômenos de curtíssima duração, uma concentração de cargas em apenas um “tento” (fio) e baixíssima transferência de calor para os “tentos” contíguos. Os experimentos demonstraram isso quando os ensaios foram feitos com todas as cargas durante o mesmo tempo (500 ms). A formação de óxido também ocorre no aço-alumínio, porém em menor grau e sua propagação estabiliza-se em curto espaço de tempo, não comprometendo seu desempenho a longo prazo. O cobre, por sua vez, por ser de natureza catódica, forma sal químico condutor e não óxido (cerâmico) isolante na superfície, consistindo em uma nova alternativa de material para o SPDA de uma linha de transmissão usando cobre como material de revestimento. Esta propriedade poderia ser explorada ulteriormente como vantagem do cobre em relação aos demais materiais em ambientes de alta salinidade ou alto índice ceráunico, como será demonstrado na seção a seguir.

O Aço revestido de cobre (Aço-cobre)

O condutor de aço-cobre não é um condutor sólido de cobre, mas um condutor de aço revestido de cobre, garantindo um desempenho equivalente ao condutor de cobre nu durante um evento de descarga elétrica atmosférica. Além disso, seu núcleo de aço proporciona um desempenho mecânico à tração semelhante à cordoalha de aço zincado ou aço alumínio. Nessa premissa, foram realizados os mesmos ensaios [04] sobre construções em aço-cobre, com expansão de desempenho para 200 Coulombs. O resultado comprovou a premissa anterior de melhor desempenho de condução elétrica quando comparado com os demais materiais. Este condutor foi homologado para projetos em locais de elevadas descargas atmosféricas {200 C}, onde demonstra um desempenho único, pois os demais tipos de condutores suportam até 150 Coulombs. Na figura a seguir é mostrado o estado final do condutor após descargas de 200 C com aplicação de tensão mecânica de 50% da tensão final de ruptura.

Figura 11: Superfície em aço-cobre 30% IACS

Tendo em vista que a cobertura de cobre é relevante e mandatória para desempenho em cabos guarda para raios em regiões litorâneas e/ou com elevados níveis de poluição, é também mandatório que se explore sua condutividade IACS conforme anotado na figura anterior.

Tabela 05: Fator térmicos de cabos CS 30% IACS

Tendo em vista que o equivalente térmico da cordoalha de aço zincado CAZ é 9,6253 e que o mesmo equivalente térmico dos condutores em aço-cobre 30%IACS 1/4” é 11,4746, o cabo CAZ 3/8” pode ser substituído com larga margem de segurança por esses condutores, trazendo ainda o enorme benefício da resistência à corrosão.

Conclusões

O tema SPDA para elevadas descargas atmosféricas foi apresentado com uma abordagem inédita, encarando os estímulos extremos originados de raios. Foram apresentados conceitos relacionados às descargas ascendentes (mais raras e de maior intensidade) e descendentes (mais frequentes e de menor intensidade), além do modelo de densidade de descargas, estimado pelo índice ceráunico.

Independente da modalidade (positiva ou negativa), a quantidade de raios é da ordem de centena de milhões por ano no Brasil, o que permite inferir que alguns deles terminam nos cabos guardas de linhas de transmissão, acarretando desligamentos e comprometendo as operações. A engenharia elétrica desenvolveu algoritmos para estimar o risco de desligamento de uma linha e valorizar as perdas comerciais e de material, mas agora é possível projetar linhas em locais com elevadas descargas atmosférica com melhorias significativas na escolha dos materiais a serem utilizados. Dentre todos materiais usados e disponíveis para construção de um SPDA, demonstramos que para regiões com elevadas descargas atmosféricas ou ambientes de alta salinidade, os condutores de aço-cobre apresentam o melhor desempenho (até 200 Coulombs). Para as demais condições, quando o aço-cobre não for selecionado, os condutores de aço-alumínio continuam sendo a melhor solução técnico econômica, a qual já vem substituindo o aço-zincado em grande parte dos projetos de linhas de transmissão de energia, inclusive como coroa externa em cabos OPGW. Por fim, os sistemas de proteção contra descargas atmosféricas podem ser estudados, simulados e projetados considerando o bloco de carga máxima durante uma descarga conforme tabela a seguir:

Tabela 06: Classificação dos cabos-guarda

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